Karuta

20180106_172615No jogo de karuta, os jogadores disputam para pegar antes do oponente a carta correspondente ao que o leitor está lendo. Existem vários tipos de karuta: mais simples, com personagens, para aprender inglês… O tipo utilizado para jogar o karuta que vemos em Chihayafuru envolve 100 poemas de uma antologia poética muito famosa no Japão, chamada Ogura Hyakunin Isshu.

O karuta competitivo (“kyogi karuta”) é um jogo que exige muito do físico e do mental, pois envolve reflexos rápidos e movimentos precisos aliados a uma poderosa memorização. É jogado em partidas de um contra um, e não existe uma liga profissional: todos os jogadores são amadores, dividindo-se apenas em classes (E a mais fraca, e A a mais forte). Para subir de classe, é necessário registrar-se numa associação e participar de torneios oficiais. Não há distinção por idade ou sexo: uma senhora de 40 anos pode perfeitamente jogar contra um garotinho de 10 num campeonato (desde que estejam na mesma classe).

Saber um pouco sobre o jogo torna a leitura de Chihayafuru muito mais prazerosa, então esperamos que gostem desta página! 🙂


Poemas e Baralho

Cada poema é de um autor diferente e todos são “tanka”, um tipo de poesia clássica que tem 5 “versos”, com uma métrica de sílabas que segue a ordem 5-7-5-7-7. É graças à isso que durante o jogo os poemas são lidos sempre no mesmo ritmo. Além disso, é importante observar que os poemas são divididos em duas partes: a primeira (“kaminoku”), que são os três primeiros versos, e a segunda (“shimonoku”), que são os dois últimos. Observe por exemplo o poema “Chihayaburu”, que dá nome à série:

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Há 200 cartas no baralho completo: 100 cartas de leitura (“yomifuda”), que ficam com o leitor, e 100 cartas de pegar (“torifuda”), que são as usadas para jogar. As cartas de leitura contém cada uma um poema completo, o nome do autor e um desenho representando-o. As cartas de pegar contém apenas a segunda metade do poema.

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Dinâmica da Partida

Após embaralhar as cartas com as faces para baixo, cada jogador deve pegar 25 cartas. As 50 cartas restantes não são usadas no jogo são chamadas de cartas mortas (“karafuda”). Cada um dos jogadores deve dispor suas cartas em 3 fileiras, da maneira que preferir. Feito isso, é dado a eles 15 minutos para memorizar a posição de cada carta, e então o jogo começa.

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O objetivo do jogo é pegar a carta correspondente à segunda metade do poema que está sendo lido. Quando o leitor começa a ler o poema, você deve ser capaz de identificar a carta e pegá-la antes do oponente. Para tanto, é necessário saber os poemas de cor.

Apenas 50 poemas estão em jogo, mas os 100 da antologia são lidos em todas as partidas. Isso quer dizer que quando os poemas que não estão em jogo são lidos, ninguém deve encostar em carta alguma.

Quando você pega uma carta de seu próprio campo, você a guarda consigo. Quando você pega uma carta do território do oponente, você deve escolher uma carta de seu próprio campo para passar para ele, substituindo assim a carta que você pegou.

Durante a partida, aquele que tiver menos cartas está ganhando. Se a diferença for pequena, significa que ninguém está conseguindo abrir vantagem, ou seja: o jogo está equilibrado. O vencedor não é necessariamente aquele que pegar mais cartas, e sim aquele que conseguir zerar seu campo primeiro.


Sílabas Decisivas

Os jogadores de karuta conseguem pegar as cartas rapidamente, só de ouvir uma pequena parte do poema. Isso é porque eles sabem sobre as sílabas decisivas (“kimariji”). Elas são as primeiras sílabas do poema, que servem para diferenciar um do outro – é como se fossem o “nome” de cada carta.

É mais fácil explicar o que são as sílabas decisivas usando exemplos. Existem 3 poemas que começam com “CHI”: CHIHAYABURU, CHIGIRIKINA e CHIGIRIOKISHI. Quando é lido um poema que começa com “CHI”, os jogadores já sabem que pode ser apenas um entre esses três. Se a próxima sílaba for “HA” (CHIHA), a carta pode ser apenas uma: CHIHAYABURU. Esta é, portanto, uma carta de duas sílabas, pois é necessário apenas duas sílabas para identificá-la. CHIHA é o “nome” da carta CHIHAYABURU.

Se a segunda sílaba for “GI” (CHIGI), os jogadores ainda não podem pegar carta nenhuma, mas sua atenção se volta para apenas duas: CHIGIRIKINA e CHIGIRIOKISHI. A possibilidade de ser CHIHAYABURU é descartada. As duas cartas restantes só podem ser distinguidas na quarta sílaba: CHIGIRIKI ou CHIGIRIO.

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As sílabas decisivas vão mudando durante a partida, e acompanhar as mudanças é muito importante! Se CHIGIRIO sair, por exemplo, sobram CHIHA e CHIGIRIKI. No entanto, você pode pegar CHIGIRIKI no “CHIGI”, porque CHIGIRIO já foi.

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E quando CHIGIRIKI sair, sobra apenas CHIHA, que agora pode ser pega só de ouvir “CHI”.

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Os jogadores de karuta sabem as sílabas decisivas de todas as 100 cartas, ou seja, sabem como todos os poemas começam, e também quantos grupos de poemas existem com as mesmas iniciais (há 3 poemas que começam com CHI, 4 que começam com YO, 6 que começam com TA, e assim por diante). Além disso, eles associam as sílabas decisivas com as respectivas cartas de cada um (onde está escrita a segunda parte do poema), de maneira que eles sabem qual carta deve ser pega assim que o início do poema for lido. Ficar atento a quais cartas já saíram e perceber as mudanças das sílabas decisivas é essencial para conseguir pegar as cartas antes do seu oponente.

Depois de entender o conceito das sílabas decisivas, fica mais fácil entender expressões que sempre aparecem em Chihayafuru, como “cartas de sílaba única” (“ichijigimari”) e “cartas longas” (“ooyamafuda”).

As cartas de sílaba única são as que podem ser pegas já na primeira sílaba, pois não há nenhum outro poema entre os cem que comece com a mesma sílaba. São elas: MU, SU, ME, FU, SA, HO, SE.

Já as cartas longas são as cartas de 6 sílabas: se o leitor lê “KIMI”, por exemplo, você deve esperar, pois não sabe se ele vai ler KIMIGATAMEHA ou KIMIGATAMEO (as cinco primeiras sílabas – correspondentes ao primeiro verso inteiro – são iguais nestes dois poemas). É nesse momento que os jogadores conseguem proteger as cartas antes de pegá-las. Atacar uma carta longa antes de ouvir até a sexta sílaba é arriscado, pois você pode cometer uma falta caso seja a carta errada.

Também existem cartas de 2, 3, 4 e 5 sílabas. Quanto mais curta é a carta, mais rapidamente você consegue pegá-la, e quanto mais longa, mais fácil é de proteger.


Faltas

Assim como qualquer outro esporte, há infrações que podem ser cometidas durante o jogo de karuta. Quando um jogador comete uma falta (“otetsuki”), ele recebe uma carta do território do oponente como penalidade. As faltas acontecem nas seguintes ocasiões:

  • O jogador toca em uma carta de um território diferente do qual a carta certa está, ou toca em cartas de ambos os territórios numa mesma jogada.
  • O jogador toca em qualquer carta quando uma carta morta (que não está em jogo) é lida.

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Note que não é falta tocar na carta errada, desde que você esteja tocando no território certo. Desta maneira, é perfeitamente válido varrer para fora do campo diversas cartas quando você for atacar a carta certa.

Caso ambos os jogadores façam falta na mesma rodada, ela é cancelada.

Existem também as faltas duplas (“dabu”, do inglês “double”), que ocorrem quando o jogador ataca o campo do oponente, sendo que a carta certa estava em seu próprio campo, e o oponente consegue pegá-la. Neste caso, o jogador recebe duas cartas do oponente: uma pela falta que cometeu, e outra para substituir a carta que o oponente pegou de seu campo. O jogador fica com uma carta a mais e o oponente com duas a menos, o que gera uma diferença de 3 cartas em apenas uma rodada.

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Outro momento no qual o jogador deve receber duas cartas do oponente é quando acaba tocando nos dois territórios quando uma carta morta (que não está em jogo) é lida. Isto é chamado de “karadabu”.


Queen e Meijin

São os títulos dados, respectivamente, à melhor jogadora e ao melhor jogador de karuta do Japão. Queen vem do inglês “Rainha” e Meijin quer dizer “Mestre” em japonês. O título de Meijin é dado desde 1955 e o de Queen, desde 1957.

Apenas os jogadores de classe A podem se inscrever nos torneios classificatórios para as partidas de Queen e Meijin, que acontecem uma vez por ano. Nesses torneios é feita a separação por sexo, coisa que não ocorre nos demais. São eleitos o melhor homem e a melhor mulher da região Leste e da região Oeste do Japão, e os dois disputam entre si para ver quem terá direito de desafiar a Queen ou o Meijin que foi eleito no ano anterior.

A disputa para decidir o título de Queen e Meijin acontecem simultaneamente em um dos primeiros finais de semana de Janeiro, no templo de Oumi-Jingu, em Shiga. Os participantes usam roupas tradicionais, e além do leitor, há também a presença da testemunha de leitura e de dois juízes, um para cada partida. Para ser eleita Queen é necessário ganhar 2 vezes (havendo, portanto, um máximo de 3 partidas) enquanto que para se consagrar Meijin é necessário ter 3 vitórias (portanto, um máximo de 5 partidas).

* Em 2019, houve uma mudança de regras. Agora, para se sagrar Queen, é também necessário ganhar 3 partidas (melhor de 5), igualando a disputa feminina com a masculina.

Pessoas que conseguem manter o título por 7 anos ou mais ganham o título de Queen Eterna ou Meijin Eterno, que é atualmente a maior honraria que um jogador de karuta pode receber.


No mundo

Infelizmente, não existem campeonatos oficiais de karuta competitivo fora do Japão, mas, principalmente graças a Chihayafuru, estão surgindo diversas iniciativas para praticar karuta ao redor do mundo. Hoje, há grupos nos Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Hungria, e também uma grande concentração de jogadores na Ásia, principalmente na China. Graças à proximidade geográfica, eles conseguem ir frequentemente ao Japão participar de campeonatos, e já foram realizados diversos eventos sobre karuta na China com presença de jogadores japoneses, inclusive a ex-queen Kusunoki Saki, que inspirou a personagem Shinobu.

No Brasil, o karuta competitivo começou a ser praticado em 2013 pelo Meguriai Kai, grupo de São Paulo, que hoje conta com cerca de 20 membros ativos. É provavelmente o primeiro, senão o único grupo do mundo que iniciou sem a presença de alguém que já praticava karuta no Japão anteriormente. O grupo se reúne semanalmente e participa de diversos eventos relacionados à cultura japonesa, sempre divulgando o karuta. Nos anos subseqüentes, foram surgindo outros grupos de karuta no Brasil, como o de Porto Alegre e o de Curitiba.

No blog do Meguriai vocês podem conferir mais sobre as atividades do grupo e sobre as regras e pormenores do jogo, e aqui tem uma lista com os grupos de karuta existentes fora do Japão, com links para as páginas deles!